terça-feira, 18 de setembro de 2012

Mar negro.


Já era tarde. O céu estava negro, sem estrelas, com uma luz fosca da lua o invadindo e pela primeira vez, sem qualquer expressão. A areia se fazia sentir entre os dedos dos pés, machucando, pois era muito sacrifício se arrastar para qualquer lugar com toda aquela carga que levava.

"Eu poderia ter lhe dito tanta coisa."

Era esse o pensamento que atormentava. O que poderia ter dito. Escrito. Traduzido. Explicado. Qualquer coisa que tirasse a ânsia de não saber. Não saber mais como sentir sem enlouquecer. Não saber mais como evitar ser atingido pelas múltiplas formas de saudade. Talvez passasse. Ou talvez pela ausência dos verbos e pronomes, não seria possível, sequer, ter a chance, como qualquer pessoa normal, de lhe falar tudo que doía. Tudo que era preciso. E foi isso que aconteceu.

"E só de olhar pra ela, era como se cada milímetro do meu corpo e extensão da minha alma fossem atingidos por duas lanças."


Nos rosto havia apenas aquela expressão... Como se tudo estivesse desabando. E realmente estava. Não consegui falar. Não consegui, ao menos, pronunciar uma palavra qualquer, embora precisasse. Tentei tanto fazer soar uma frase comum, encher cada espaço da minha boca com som. Entretanto, não consegui. Só sentia aquilo... O que não pode ser definido e que, qualquer pretensão de fazê-lo, seria audácia demais. Eu queria dizer tanto! Queria poder falar como cortava fundo vê-la daquela forma. Como rasgava minha alma. Talvez pelos olhos, que antes com tanto brilho, agora estavam perdidos. Tão desnorteados e sem expressão alguma, como o céu negro daquela noite. Vê-la mostrava o descontentamento e infelicidade do mundo. E fariam qualquer um sentir o mesmo. 

"Não ouse fugir do infinito do que sente."

Queria poder dizer para parar. Porque aquilo tudo era demais para ela, que com ombros tão leves, padeceria logo com pesos tão grandes. E eu a via ser esmagada todos os dias, provocando em mim essa sensação de asfixia e creio que qualquer pessoa que tentasse se aproximar dela se sentiria da mesma forma: sem ar. Era como se uma força a arrastasse para trás, enquanto todo o resto do mundo ao menos tentava ir para frente. E ela, a cada dia, mergulhava em águas tão escuras que ficava mais e mais impossível para mim vê-la. Eu quis tanto esticar meus braços e puxá-la, tirá-la daquele mar enquanto a enxergava. Mas ela ia fundo demais. Se arriscava. E antes que eu percebesse, aquele mar se tornou ela. E ela se tornou ele. E agora eram um só. Impossível salvá-la. E eu tentei tanto... Me estiquei tanto... Me esforcei tanto... Para nada.

"Era como se o mundo fosse explodir em tudo que ela tocava... E destruía."


Não seria possível para mim imaginar o que ela sentia. Mas, não adiantava fugir. Fingir. Trair o que estava se partindo no meu rosto e estampado no meu ser. E eu via. No espelho eu via, tudo que ela sentia. Enxergava cada extensão dela naquele corpo que era meu. Que ela, sem pedir, se apossou, sem querer me largar mais, entrelaçando de tal forma que uma respirava a outra. E sem cessar, ela tomava cada vez mais espaço em mim. Se tornava eu. O que fui. O que sou. E provavelmente, o que um dia serei. Era o mar talvez. Aquelas águas me chamavam para nadar. Eram tão escuras. Até que me convenceram. E eu quis. Pela primeira vez, eu parei de tentar dizer qualquer palavra à ela. Parei de tentar pronunciar qualquer frase comum. E a escutei. Atendi seu chamado. E ela me queria naquele mar. Aquele, que me dava vontade de afogar também. E então, sem hesitar a acompanhei. Eu fui. Com toda dor que afligia, eu fui. Fechando os olhos lentamente, eu fui. Sem medo, eu fui. E foi eu. Foi ela. Fomos nós.

E sem mais pensar, mergulhamos.